Mais do
que Darwin, Joseph Campbell (1904-1987) investigou, ao longo de toda sua vida,
não a evolução das espécies, mas a evolução das religiões.
O
resultado mais importante dessa investigação é a obra apropriadamente chamada As máscaras de Deus,
dividida em 4 volumes: Mitologia primitiva, Mitologia oriental, Mitologia
ocidental e Mitologia criativa.
Nela, o
pesquisador mostra como nasceram mitos que originaram religiões em todo o
mundo, cruza dados e histórias, apontando semelhanças, mostrando onde estão os
interesses por trás das religiões enquanto forças sociais e, até onde o vasto
conhecimento lhe permite, desvela as metáforas das histórias mitológicas.
O mais
importante desse trabalho, diz ele, é mostrar para as mentes estreitas que os
mitos tendem a se tornar História – e isso é triste. Citando Alan Watts (Myth
and ritual in Christianity):
“O Cristianismo foi interpretado por uma
hierarquia ortodoxa que degradou o mito até convertê-lo em ciência e história.”
Em uma de
suas palestras memoráveis – várias reunidas em livros lançados no Brasil –
Campbell conta sobre um trecho do livro sagrado do budismo onde Buda estica uma
das mãos e de cada dedo sai um tigre que ataca seus inimigos. Se esse trecho
estivesse na Bíblia, com Jesus Cristo como protagonista, crentes iriam jurar de
pés juntos que foi assim mesmo que aconteceu.
Segundo
Campbell, em todo Oriente prevalece a ideia de que o último plano da existência
é algo além do nosso pensamento e nosso entendimento. Sendo assim, podemos
acreditar no mistério, mas não racionalizar ou querer situá-lo histórica e
geograficamente.
Linhas de pensamento religioso orientais são:
“Saber é não saber, não saber é saber”
(Upanishad).
“Os que sabem permanecem
quietos” (Tao Te King).
Chegar ao outro lado da margem do pensamento para
encontrar paz e bem-estar é a finalidade do mito oriental.
No mito
ocidental existe sempre um criador e uma criatura e os dois não são o mesmo –
estão sempre em conflito e sempre há alguém ou algo a atrapalhar, incomodar; um
diabo, um extraviado da criação.
Diante da pouca importância que o homem tem
diante de um Deus tão exigente, ele deve se ajoelhar e servir e não questionar
e obedecer a parâmetros sempre ditados por alguma instituição, uma igreja, uma
denominação.
É uma
religião de subserviência, cuja gestão é o conflito e o terrorismo psicológico,
imposto pelas lideranças religiosas ou auto imposto pelos crentes.
Para
Campbell, “o divisor geográfico entre as esferas oriental e ocidental do mito e
do ritual é o planalto do Irã”.
O terceiro volume de As máscaras de Deus,
que trata da Mitologia Ocidental, escrito em 1964, conta o nascimento da
religião muçulmana e como ela cresceu no Oriente Médio, tornando-se ameaçadora
para o cristianismo; as tensões que abalavam a ordem cristã que era sustentada
por uma mitologia de autoridade clerical.
Talvez
esse quadro geral tenha gerado o fanatismo, alimentado pelas lideranças
religiosas; e o dinheiro que estas têm pode ter influenciado na ordem social.
Campbell, otimista e racional, escreveu:
“Nenhum adulto hoje se voltaria para o Livro do Gênesis
com o propósito de saber sobre as origens da Terra, das plantas, dos animais,
do homem. Não houve nenhum primeiro casal no paraíso. Hoje nos voltamos para a
ciência em busca de imagens do passado e da estrutura do mundo. O que os
demônios rodopiantes do átomo e as galáxias a que nos aproximam telescópios
revelam é uma maravilha que faz com que a Babel da Bíblia pareça uma fantasia
do reino imaginário da querida infância de nosso cérebro.”
As
escrituras sagradas estão cheias de metáforas, mas os religiosos conseguem
entendê-las apenas como realidade, e aqueles que não entendem da
mesma forma são taxados de um monte de adjetivos.
Um
radialista uma vez quis pegar Campbell ao vivo nesta encruzilhada e perguntou
ao pesquisador o que era uma metáfora. Campbell devolveu a pergunta e o
radialista deu um exemplo de metáfora: “Ele corre como um coelho”. Campbell
disse que era justamente aí que estava o problema: metáfora seria se se
dissesse “Ele é um coelho”. Na afirmação justa de uma realidade improvável, a
condenação de um mundo.
As
grandes metáforas das religiões não podem ser entendidas como realidade e não
podem atrapalhar o avanço científico da sociedade; não podem interferir na paz
entre países, nem em angústias para as pessoas; não podem restringir o direito
de amar – ora vejam! –, nem provocar ódio. As grandes metáforas das religiões
deveriam ser poesias para os ouvidos – mas ninguém quer saber de poesia!
“Alguns, talvez, queiram ainda
curvar-se diante de uma máscara, por medo do destino e do incompreensível.” Joseph Campbel